O Gildo era uma pessoa muito rígida. Princípios italianos de verdadeiro patriarca. Era 15 anos mais velho que minha mãe e extremamente ciumento.
Era bravo e apanhávamos dele quando fazíamos coisas erradas.
Tomávamos a benção, beijando sua mão e ele era sempre o primeiro a ser servido na mesa.
O princípio moral era extremamente apurado e o senso de justiça me parece que era fundamental.
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GILDO E SUA MOTO |
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GILDO E LOLA - CASAMENTO 1955 |
Lembro bem que bastava um olhar dele para entendermos tudo o que ele reprovava ou o aviso para uma reprimenda. As palavras não eram necessárias.
Mas desde pequena eu lembro que eu o desafiava. Ele não suportava quando me dava uma bronca e eu não chorava e apenas fixava o meu olhar no olhar dele.
Aquilo o deixava "louco". Só lembro das palavras : "Não me olhe assim ...!" , "Fale...!", "Abaixe esses olhos ....!"
E quanto mais ele falava mais eu eu olhava e fazia bico, até que eu levava uns tapas .
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Eu |
Mas apesar desta rigidez ele era uma pessoa boa, alegre e contador de estórias. Fazia questão de
nos ensinar muitas coisas e mostrar os caminhos que ele achava certo.
Fez questão de nos educar sob os conceitos católicos mas nunca nos obrigou a seguir a religião.
Estudei durante toda a vida em escola católica : "Colégio Cardeal Motta", de freiras e padres.
Íamos as missas, respeitávamos os feriados religiosos e tudo o mais.
Também reservava para nós as diversões infantis. Gostava de fazer brincadeiras, de nos levar à passeios infantis. Todos os domingos pela manhã víamos o Festival Tom & Jerry no Cine Metro ou no Cine Roma. Também íamos ao cine Universo, na avenida Celso Garcia, que abria o teto depois que terminavam as sessões.
Gostava de viajar para o interior de São Paulo e pescar .
Também nos levava para assistir óperas no Teatro Municipal ou criar sessões de músicas aos domingos em nossa sala com a vitrola grande. Ele fazia a gente perceber o som estereofônico que transitava de uma caixa para a outra e enchia a sala com a passagem dos instrumentos, numa grande linha de produção
Era um trabalhador exemplar. Dedicava a sua vida à fábrica "Petracco & Nicolli. No meio das enchentes ele corria para lá para salvar as chapas de aço e todo o material que pudesse ficar exposto a fúria das águas.
Chegava a passar a noite salvando os tambores, fornos e estufas . Ele trabalhou na Petracco por mais de 40 anos. Começou bem mocinho e lá ficou até os seus 58 anos, morrendo literalmente lá dentro.
A fábrica fazia parte de nossas vidas de maneira visceral .
Os donos eram italianos e muitos de seus funcionários-diretores eram descendentes de italianos .
Lembro que nas salas da diretoria haviam muitos retratos de Mussolini, de locais e mapas da Itália.
O dono era o Sr. Petracco que os funcionários meio que veneravam. Com o seu falecimento assumiu Mário Nicolli que, segundo contavam os moradores do Cambuci, era um playboy que adorava festas , carros e farras . Quando jovens, meu pai fazia parte desta turma. Viajavam, saiam e bebiam muito.
Mário assumiu o comando da fábrica e colocou nos cargos diretivos membros de sua turma.
Gildo Pedrazzini como diretor comercial e de compras, além do sr. Odoni, Facchini, Miguel
e outros.
A fábrica cresceu e prosperou pois fornecia placas de automóveis para todo o Brasil, bem como placas de ruas e estradas. Também faziam muitas outras coisas, como chaveiros, troféus, número para casas, emblemas de carros, placas comemorativas e tudo que se relacionava com aço e metal.
Lembro bem quando lançaram as películas reflexivas que eram usadas nas placas dos automóveis. Aquilo foi uma sensação !
Meu pai nos explicava cada detalhe da produção. Elas eram feitas com minúsculas esferas de vidro
e quando batia a luz dos faróis elas se acendiam durante a noite. Lumiflex !
Inclusive meu pai teve um problema sério no olho, pois ao raspar uma destas películas, estas microesferas foram para seus olhos provocando uma lesão. Isto custou uma bom tempo de tratamento
e uso de um tapa -olho.
Sei que todas as habilidades que tenho hoje para lidar com elétrica, hidráulica e pequenos consertos , vieram dos ensinamentos do meu pai.
Ele fazia questão de nos ensinar várias coisas.
No caso das placas, ele nos levava na fábrica para nos mostrar como eram feitas as coisas .
As placas de aço eram cortadas em grandes máquinas guilhotinas, depois prensadas numa grande linha de produção com os números e nomes de cidades, depois passavam por uma sessão de pintura com grandes máquinas onde se colocavam as cores: amarela para os carros comum, vermelha para os táxis, branca para os carros de emergência e preta para os carros oficiais. Depois passavam por lugares com água e após este processo iam para a aplicação das películas reflexivas. Eram cortados os moldes,
uma máquina colava as películas e depois iam para grandes estufas com muitas lâmpadas potentes e
lá ficavam para a adesão.
Para nós, com a visão infantil, aquilo era de uma grandiosidade mágica!
Depois nos levava para outro lugar na fábrica que era a esmaltação. Lá havia muitas mesas com pequenos e infinitos objetos que eram pintados com milhões de cores e milhares de pincéis de todos os tamanhos.
Nesta sessão eram feitos os chaveiros, medalhas comemorativas, brasões e distintivos.
As pequenas peças eram coloridas por centenas de mãos habilidosas e artísticas como a da Maria,
uma mulher negra, simpática que nos colocava ao seu lado para ajudar a pintar as peças.
Tenho até hoje umas bailarinas que foram pintadas por nós com auxílio da Maria .
Depois de pintadas, estas peças eram colocadas em grandes bandejas e depois iam para grandes fornos, estufas para fixar a esmaltação.
Quando prontas iam para a sessão de contagem com muitas correntes, argolas e pequenas ferramentas para a finalização .
A fábrica para nós era um grande playground da aprendizagem .
Tenho uma cicatriz na parte posterior da minha perna, provocada por uma descida estratégica
de um banco alto, onde eu escrevia numa lousa atrás da mesa de meu pai. Abaixo haviam escaninhos com mostruários de chapas de aço de diversas espessuras .
Ao descer do banco, rasguei minha perna numa destas chapas e meu pai imediatamente encheu
meu corte com sulfa e fez um grande curativo.
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Sr. Odoni e meu pai sentado. Atrás desta mesa haviam os escaninhos onde me machuquei . |
Continua na próxima postagem...