segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Como era meu pai. Parte II.

Lembro também de brincar na garagem da fábrica onde a Cibéle e eu entrávamos nos carros importados do Mário e lá fazíamos muitas viagens imaginárias.
Tinha um Lancia, um TC da VW, um carrinho esporte vermelho, creio que um Masseratti.
Era uma festa  !
Tenho muitas lembranças da fábrica pois quando meu pai ia trabalhar de final de semana ele nos levava para lá.
Uma recordação especial foi quando chegou na esmaltação um grande forno - estufa, todo modernoso 
e que meu pai havia nos mostrado e explicado como funcionaria.
A Cibéle e eu resolvemos brincar dentro deste forno que estava desligado e era a nova aquisição 
da Petracco .
Sei que numa de nossas brincadeiras a Cibéle entrou dentro deste forno e eu fui abrir a porta .
Só que passei do limite da abertura e a grande dobradiça da porta se quebrou fazendo com que a porta viesse a cair. Fomos com muito medo avisar meu pai que entrou em desespero.
Ele apenas diz: "Como vou explicar isto ? O que vocês fizeram ? Como vou justificar a quebra desta imensa dobradiça ? "
Confesso que não sei o desdobrar desta estória e o que meu pai fez para justificar a quebra da porta. 
Ele nunca nos falou ! Talvez tenha sido descontado de seu salário. Mas nunca ficamos sabendo 
o final desta estória.
Meu pai era um homem generoso, gostava de ajudar as pessoas. Segundo relatos de minha mãe, 
ele fazia questão de ajudar a todos mesmo sem poder. Pelo que sei custeou os estudos do tio Pedro, financiou algumas coisas para os filhos da Tia Thereza e ajudava a pagar o tratamento de seus pais (meus avós que não conheci) e do irmão Gabriel que sofriam de hanseníase e que estavam internados em São João da Boa Vista. 

Como era meu pai.

O Gildo era uma pessoa muito rígida. Princípios italianos de verdadeiro patriarca. Era 15 anos mais velho que minha mãe e extremamente ciumento.
Era bravo e apanhávamos dele quando fazíamos coisas erradas.
Tomávamos a benção, beijando sua mão e ele era sempre o primeiro a ser servido na mesa.
O princípio moral era extremamente apurado e o senso de justiça me parece que era fundamental.


GILDO E SUA MOTO


GILDO E LOLA -  CASAMENTO 1955


Lembro bem que bastava um olhar dele para entendermos tudo o que ele reprovava ou o aviso para uma reprimenda. As palavras não eram necessárias.
Mas desde pequena eu lembro que eu o desafiava. Ele não suportava quando me dava uma bronca e eu não chorava e apenas fixava o meu olhar no olhar dele.
Aquilo o deixava "louco". Só lembro das palavras : "Não me olhe assim ...!" , "Fale...!", "Abaixe esses olhos ....!"
E quanto mais ele falava mais eu eu olhava e fazia bico, até que eu levava uns tapas .
Eu

Mas apesar desta rigidez ele era uma pessoa boa, alegre e contador de estórias. Fazia questão de 
nos ensinar muitas coisas e mostrar os caminhos que ele achava certo.
Fez questão de nos educar sob os conceitos católicos mas nunca nos obrigou a seguir a religião.
Estudei durante toda a vida em escola católica : "Colégio Cardeal Motta", de freiras e padres. 
Íamos as missas, respeitávamos os feriados religiosos e tudo o mais.
Também reservava para nós as diversões infantis. Gostava de fazer brincadeiras, de nos levar à passeios infantis. Todos os domingos pela manhã víamos o Festival Tom & Jerry no Cine Metro ou no Cine Roma. Também íamos ao cine Universo, na avenida Celso Garcia, que abria o teto depois que terminavam as sessões.
Gostava de viajar para o interior de São Paulo e pescar .
Também nos levava para assistir óperas no Teatro Municipal ou criar sessões de músicas aos domingos em nossa sala com a vitrola grande. Ele fazia a gente perceber o som estereofônico que transitava de uma caixa para a outra e enchia a sala com a passagem dos instrumentos, numa grande linha de produção
Era um trabalhador exemplar. Dedicava a sua vida à fábrica "Petracco & Nicolli. No meio das enchentes ele corria para lá para salvar as chapas de aço e todo o material que pudesse ficar exposto a fúria das águas.
Chegava a passar a noite salvando os tambores, fornos e estufas . Ele trabalhou na Petracco por mais de 40 anos. Começou bem mocinho e lá ficou até os seus 58 anos, morrendo literalmente lá dentro.
A fábrica fazia parte de nossas vidas de maneira visceral .
Os donos eram italianos e muitos de seus funcionários-diretores eram descendentes de italianos .
Lembro que nas salas da diretoria haviam muitos retratos de Mussolini, de locais e mapas da Itália.
O dono era o Sr. Petracco que os funcionários meio que veneravam. Com o seu falecimento assumiu Mário Nicolli que, segundo contavam os moradores do Cambuci, era um playboy que adorava festas , carros e farras . Quando jovens, meu pai fazia parte desta turma. Viajavam, saiam e bebiam muito.
Mário assumiu o comando da fábrica e colocou nos cargos diretivos membros de sua turma.
Gildo Pedrazzini como diretor comercial e de compras, além do sr. Odoni, Facchini, Miguel 
e outros.
A fábrica cresceu e prosperou pois fornecia placas de automóveis para todo o Brasil, bem como placas de ruas e estradas. Também faziam muitas outras coisas, como chaveiros, troféus, número para casas, emblemas de carros, placas comemorativas e tudo que se relacionava com aço e metal.
Lembro bem quando lançaram as películas reflexivas que eram usadas nas placas dos automóveis. Aquilo foi uma sensação !
Meu pai nos explicava cada detalhe da produção. Elas eram feitas com minúsculas esferas de vidro 
e quando batia a luz dos faróis elas se acendiam durante a noite. Lumiflex !
Inclusive meu pai teve um problema sério no olho, pois ao raspar uma destas películas, estas microesferas foram para seus olhos provocando uma lesão. Isto custou uma bom tempo de tratamento 
e uso de um tapa -olho.
Sei que todas as habilidades que tenho hoje para lidar com elétrica, hidráulica e pequenos consertos , vieram dos ensinamentos do meu pai.
Ele fazia questão de nos ensinar várias coisas.
No caso das placas, ele nos levava na fábrica para nos mostrar como eram feitas as coisas .
As placas de aço eram cortadas em grandes máquinas guilhotinas, depois prensadas numa grande linha de produção com os números e nomes de cidades, depois passavam por uma sessão de pintura com grandes máquinas onde se colocavam as cores: amarela para os carros comum, vermelha para os táxis, branca para os carros de emergência e preta para os carros oficiais. Depois passavam por lugares com água e após este processo iam para a aplicação das películas reflexivas. Eram cortados os moldes,
uma máquina colava as películas e depois iam para grandes estufas com muitas lâmpadas potentes e
 lá ficavam para a adesão.
Para nós, com a visão infantil, aquilo era de uma grandiosidade mágica!
Depois nos levava para outro lugar na fábrica que era a esmaltação. Lá havia muitas mesas com pequenos e infinitos objetos que eram pintados com milhões de cores e milhares de pincéis de todos os tamanhos.
Nesta sessão eram feitos os chaveiros, medalhas comemorativas, brasões e distintivos.
As pequenas peças eram coloridas por centenas de mãos habilidosas e artísticas como a da Maria,
uma mulher negra, simpática que nos colocava ao seu lado para ajudar a pintar as peças.
Tenho até hoje umas bailarinas que foram pintadas por nós com auxílio da Maria .
Depois de pintadas, estas peças eram colocadas em grandes bandejas e depois iam para grandes fornos, estufas para fixar a esmaltação.
Quando prontas iam para a sessão de contagem com muitas correntes, argolas e pequenas ferramentas para a finalização .
A fábrica para nós era um grande playground da aprendizagem .
Tenho uma cicatriz na parte posterior da minha perna, provocada por uma descida estratégica 
de um banco alto, onde eu escrevia numa lousa atrás da mesa de meu pai. Abaixo haviam escaninhos com mostruários de chapas de aço de diversas espessuras .
Ao descer do banco, rasguei minha perna numa destas chapas e meu pai imediatamente encheu 
meu corte com sulfa e fez um grande curativo.


Sr. Odoni e meu pai sentado. Atrás desta mesa haviam os escaninhos
onde me machuquei .


                                                    Continua na próxima postagem...



                                           

domingo, 13 de novembro de 2016

Os medos de infância.


Como enumerar os vários medos e explicá-los ? Os terrores infantis são complicados. Hoje me pergunto o que o imaginário infantil cria de tão aterrorizante? O que traz estes temores? Estórias? Educação? Perdas? Desconhecido? Não saberia responder mas algumas coisas me provocavam terror.
Parque Changai
                                                 


Como já relatei, o homem do saco  a Bruxa do Parque Shangai, o boneco das Pernambucanas e alguns muito reais.
Em alguns finais de semana meu pai me levava na casa da tia Thereza e do tio Juca no Ipiranga, na rua Gama Lobo. Eu gostava de ir lá pois além do quintal onde a Célia minha prima criava muitas brincadeiras, ela me dava panelinhas e fazíamos comidas para as bonecas com terra e grama . Outra coisa era a coleção de gibis do Pato Donald e do Tio Patinhas. A Célia deixava eu abrir o armário que ficava próximo à porta de entrada para folhear os inúmeros gibis. Ela tinha o exemplar número 1 do Tio Patinhas e eu adorava. Era bom enquanto meu pai estava por perto. Quando ele ia embora eu ficava bem por uns tempos, mas na hora de ir para a cama começava o meu desespero. Sei que no meio da noite eu pedia para ir para minha casa e terminava em choro que ninguém mais dormia. Tio Juca ligava para meu pai e ele vinha de madrugada de táxi me buscar.
Creio que o fato de estar longe de casa me dava muita insegurança.
Outro fato marcante foi quando fomos a uma quermesse no Colégio Nossa Senhora da Glória, no próprio bairro. A quermesse era ótima, tinha muitas barracas, muitas brincadeiras, prendas, bingos e guloseimas. Num determinado momento da noite meu pai saiu para comprar cigarros e nos deixou, mamãe e eu, esperando num ponto da festa. Mas na minha cabeça aquela espera era uma eternidade e meu pai não voltava. De repente, aquele monte de gente, os guardas que rondavam pela festa começou a tomar um vulto de terror.
Tudo era amedrontador e segundo minha mãe  eu abria uma sinfonia do tipo: "Eu quero meu pai , eu quero meu pai..."  e terminava em choro e soluço.
Minha mãe tinha vergonha, pois as pessoas paravam para ver o que estava acontecendo e o meu medo  cresceu quando dois policiais se aproximaram de nós e vieram perguntar se estava acontecendo algo.
Aquelas duas figuras na minha frente pareciam dois monstros gigantescos e pensei que eles tinham prendido meu pai e o choro virou berreiro. Mas logo avistei meu pai vindo assustado e apressado para ver o que tinha acontecido. Só lembro que ele me pegou no colo me xingando e dando bronca e eu ainda soluçando. Mas mesmo as broncas naquele momento me davam conforto.
Outros episódios como este se sucediam.
Lembro que em todas as férias de verão o tio Josino e a Yayá alugavam apartamento na praia, onde ficávamos durante o mês e meu pai vinha nos finais de semana.
Todos os anos ficávamos em praias diferentes: São Vicente em Santos, Guarujá, Cibratel ou Suarão na Praia Grande. Geralmente o Alemão, nosso primo e filho do tio Samuel, passava as férias com a gente pois a Yayá era madrinha dele. Nos dias da semana a Yayá e minha mãe faziam a feira e eu cismava de ir junto, às vezes embaixo de chuva.
As duas brigavam comigo, eu tomava beliscões da Lola e falavam que a Cibéle e o Alemão ficavam quietinhos e eram obedientes.



Eu, Alemão e Cibéle no Guarujá



Mas eu tanto fazia que acabava indo junto, mesmo debaixo de chuva, com capa e galocha, e acabava conseguindo.
No fundo, eu acho que tinha muita insegurança em ficar sem meu pai e minha mãe e ter que ficar com os tios que longe deles falavam coisas que eu não gostava.
O tio Josino me chamava de rabugenta e tinhosa.
Certa vez ficamos num apartamento do amigo do tio Josino chamado Jacob. Ficava em Cibratel II .
O Gildo vinha somente aos sábados e domingos e naquela semana havia acontecido um temporal junto com vento noroeste. Foi muito violento e arrasou muitas coisas. Naquela época as praias do litoral sul eram muito precárias e não eram tão povoadas. Eram poucos prédios baixos e muita mata atlântica ao redor.
Neste temporal, as águas levaram muitas coisas e o mar avançou até as calçadas . Podíamos ver as
estruturas do nosso prédio. Aparentes como se abrissem um grande fosso ao redor do edifício.Ficamos ilhados pois as calçadas haviam sido arrancadas.
No dia seguinte, o zelador havia improvisado umas madeiras que serviram de ponte para podermos atravessar para o outro lado da rua.
Depois do dilúvio, a Yayá , a Lola, a Cibéle, o Alemão e eu saímos para ver os estragos e catar conchas.
No meio da caminhada a Yayá caiu numa areia movediça e não conseguíamos tirá-la. Vi o desespero de minha mãe tentando puxá-la e cada vez que ela se movia mais afundava.
O Alemão foi atrás de um pau de vassoura e pedaços de madeira . Nisso chegaram dois caiçaras que ajudaram a puxá-la. Só sei que ela acabou perdendo um anel e a bolinha de palha dela. Mas saiu ilesa com lama e areia até os peitos.
Com a chegada do meu pai no final de semana, tudo ficou difícil pois ele não tinha como se aproximar com a Kombi da fábrica . Lembro dele ter ficado horrorizado e preocupado se o prédio não teria perigo de ruir.
Aquilo me assustou muito e queria que ele chegasse logo. Só via o zelador rodeando o prédio e analisando a situação.







A mudança. Continuação.

Kátia me acompanhou por muito tempo. Em todas as minhas brincadeiras e atividades ela estava presente. Motivo este que fez a minha mãe acreditar que eu estava "louquinha", querendo me levar ao médico ou psiquiatra.
Eu obrigava a minha mãe colocar um prato e talheres na mesa e ter uma cadeira ao meu lado,
onde Kátia se sentava.
Ou era um anjo ou era realmente um ser criado pelo meu imaginário.
Até hoje tenho em minha mente a Kátia . Lembro-me perfeitamente como era ela . E se um dia eu 
a encontrar na rua sou capaz de ter uma síncope.
Pouca coisa me recordo da mudança em si. Talvez meus pais tenham me deixado com alguém pois nada me vem à lembrança, como o transporte dos móveis, roupas, entrega da casa velha, etc. Só me lembro já dentro do apartamento novo com os nossos móveis, a famosa estante de livros, a vitrola de meu pai com sua coleção de discos e eu grudada com a minha boneca Belinda , inseparável e que eu a conservo até hoje.
A Cibéle, minha companheira  de travessuras e manipulações, era tranquila. Lembro que combinávamos coisas para aprontar e descobrir e desvencilhar das coisas proibidas pelo pai.
A Cibéle era sonâmbula e minha mãe amarrou todas as janelas do apartamento com arames para não ter perigo quando ela levantasse de madrugada e se aproximasse com banquinhos para "ver dormindo "o que acontecia na rua.
Nosso prédio tinha três andares e morávamos no último andar . Apto 11. A Cibéle levantava e andava pela casa como se estivesse fazendo coisas. O apartamento tinha dois quartos e nós dormíamos juntas, 
num deles.
Uma noite a vi levantando. Foi ao banheiro, pegou um banquinho, aproximo-se da janela e lá ficou . Lembro de ter chamado minha mãe e meu pai e os dois foram pé ante pé atrás dela , sem despertá-la , apanhá-la no colo e colocá-la de volta na cama.
Minha mãe me orientava para não assustá-la nem acordá-la pois num susto ela poderia morrer. Aquilo me assustava profundamente e tinha muito medo quando eu via isto acontecer, por isso eu corria para o quarto deles e os chamava com muito medo de acordá-la.

A mudança.

Não sei precisar exatamente o dia e a data em que saímos da casa velha para nos mudarmos para o prédio construído pelo Mário Nicolli, mas lembro dos fatos que marcaram esse acontecimento.
Creio que eu tinha uns 6 anos pois a partir daí tudo que lembro, como escola, amiga imaginária, etc., veio a partir da mudança.
Uma das coisas que marcaram muito foi a entrega e a perda do Dick.
Ele era um cachorro bonito, valente e fiel.
Meus pais contavam que uma vez o Dick desapareceu, todos em casa foram atrás dele e nada ! Espalharam a notícia pela vizinhança, avisando aos amigos a ficarem atentos caso avistassem o nosso Dick. Desconfiavam que havia sido roubado de nosso quintal, na frente da casa, pois ele não saia 
na rua, até por ser considerado um cachorro bravo.
Em frente a nossa casa velha havia uma transportadora e muitos caminhões paravam por ali,
vindos de muitos lugares. Meu pai achava que algum caminhoneiro o havia atraído com carne 
e o levado com a carga.
Depois de dois dias do desaparecimento,  para a surpresa de todo mundo, Dick retornara todo sujo com as patas ensanguentadas e inchadas e muito cansado.
Meu pai deu um banho nele, passou remédio em seus ferimentos, deu-lhe água e leite e conta que ele  dormiu por quase duas noites e dois dias seguidos sem se quer levantar.
Depoios disso ele foi se recuperando e voltando ao normal .
Meus pais disseram que ele devia ter vindo de muito longe pelo estado em que ele chegou em casa.
Minha mãe conta que eu havia ficado doente e com febre com a falta do Dick.
Mas o preparo para a mudança significava a perda definitiva do meu companheiro, pois no apartamento animais eram proibidos.

Lembro que foi num final de semana . Creio que era um sábado.
Papai me preparou para sairmos com o Dick e irmos até o Corpo de Bombeiros que era bem próximo de casa .
Andamos pelas ruas com ele e chegamos à corporação onde alguns bombeiros nos receberam.
Sentamos numa mesa sob uma enorme árvore, o Dick deitado ao lado de meu pai e ele conversava com o homem.
Eu estava meio fascinada com aqueles caminhões enormes e saber que estava entre aqueles homens heróis que salvavam pessoas nas enchentes, nos levavam pão e leite quando as águas permaneciam 
por longos e intermináveis dias e, além do mais, combatiam o fogo. Fiquei ali, sentada no banco, olhando para tudo aquilo com um certo encantamento e imaginação.
Com certeza toda aquela conversa provocada pelo meu pai era para o Dick ir se familiarizando
com a pessoa e com o local.
Num dado momento, o bombeiro me perguntou se eu queria subir no caminhão e tocar a sirene.
Ele se levantou, pegou na minha mão, pegou a coleira do Dick e fomos ao caminhão. Entrei na cabine ajudada por ele e sentei-me frente à direção.  O Dick pulou junto e ficou entre nós. O meu pai permaneceu no banco. O bombeiro me explicou cada peça do caminhão e o que mais me interessava naquele momento era tocar a famosa sirene.
O bombeiro então guiou minha mão para que eu acionasse o botão. Fiquei fascinada com aquilo.
A única frase que me lembro do homem ter me dito era que o Dick seria um bombeiro.
Quando descemos do caminhão corri ao encontro de meu pai com encantamento e não lembro mais
do que aconteceu. Saímos com o Dick e não sei dizer - nem meu pai me contou - qual foi a minha reação: se chorei, se fiz perguntas. Só sei que Dick não nos acompanhou na volta.
Creio que a minha mente, por defesa, não quis registrar os fatos posteriores pois não consigo me lembrar de mais nada.
O segundo desapego foi o meu urso azul sujo. Vivia com ele para todos os lugares e me dava desespero quando mamãe o pegava escondido para lavar e o via pendurado e esticado no varal alto, fora de meu alcance para salvá-lo e resgatá-lo.
Mas lembro que em nossos primeiros dias no apartamento novo, mamãe me levou ao corredor e me mostrou um "coletor de lixo".
Era uma porta branca e quando aberta era um enorme buraco sem fim.
Também não me recordo da conversa que minha mãe teve para me convencer a levar meu urso para aquele buraco negro.
Provavelmente alguma estória fantasiosa tipo "Alice no País das Maravilhas "onde meu urso iria se encontrar com os amigos e lá ficar para nunca mais voltar .
Só lembro do fato de ter pego meu urso pelos braços e junto com mamãe , abrindo aquela porta mágica , arremessá-lo para aquele mundo sem volta.
Penso que psicologicamente , para compensar todas estas perdas é que surgiu minha amiga imaginária : "Kátia". Loira de olhos azuis , com largas tranças douradas caídas nos ombros e vestida de blusa branca e um aventalzinho azul claro.( Continua ...... )



    Parque Shangai