quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Como era minha mãe e o relacionamento com meu pai.


Minha mãe era uma mulher jovem, bonita e elegante.
Bem mais nova que meu pai (15 anos de diferença ) e talvez por isso mais próxima da gente.                      





LOLA - MINHA MÃE 

Ela encobria muitas de nossas travessuras para não chegar ao meu pai .
Pelos seus relatos, ela sofreu muito nos primeiros anos de casamento pois moravam juntos  na casa da tia Thereza e meu pai era extremamente ciumento. Ela casou com 18 anos e com 19 eu havia nascido.
Sei que sofreu muito durante a sua primeira gravidez pois se sentia uma intrusa numa casa que não era dela. 
Conheceu meu pai numa loja no Largo do Cambuci, onde ela trabalhava: a Casa Weigand. Meu pai ia lá comprar parafusos para a fábrica. Ela morava inicialmente com a tia Yayá, Josino, tia Dirce e tia Ninia numa casa perto da rua Ana Neri, pois vieram de Mogi das Cruzes para fazer a vida na cidade grande. 
A Yayá veio primeiro e depois trouxe as irmãs. A Yayá era uma espécie de segunda mãe pois 
era a mais velha dos sete irmãos. Portanto cuidava de todos.
Todos os casamentos saíram da casa dela e o de minha mãe havia saído da Rua José de Queirós Aranha, na Vila Mariana, onde ela e o Josino  haviam comprado o apto . 
Mas logo que minha mãe e meu pai se casaram foram morar na Rua dos Alpes, onde morava a tia Thereza, na casa velha do Cambucí. 
Com o tempo a família de tia Thereza foi morar na Rua Almirante Lobo no Ipiranga e nós acabamos ficando na casa velha que pertencia à fábrica. 
Minha mãe sempre esteve ao nosso lado, cuidava de nossas roupas, bordava nossos vestidos 
e inventava brinquedos e brincadeiras. 
Lembro dos tempos de início da escola, onde ela ía com a gente atrás de matrícula. 
Pegávamos o ônibus elétrico e íamos até o Externato São José , na Liberdade para tentar vaga. 
Acabamos ficando no Cardeal Motta pois nosso pai nos queria uma escola particular e católica . 
Era uma escola exigente e minha mãe ficava às voltas com nosso uniforme. A camisa deveria ser engomada e éramos obrigadas a usar 2 laços de fitas azuis marinho nos cabelos.
 
Cibele e eu esperando o transporte na porta de nosso prédio


Todo dia ela fazia um ovo frito com pão antes de pegarmos a perua e preparava nossa lancheira com 
a garrafinha de Toddy. A lancheira era de couro com um orifício - o receptáculo da garrafinha.
Até hoje tenho em minha memória o cheiro da lancheira. 
Minha mãe sempre inventava um lanchinho diferente pois lembro que o dinheiro era curto. Na hora do recreio onde sentávamos com outras meninas da escola, eu via uma profusão de coisas diferentes saírem das lancheiras vizinhas e a minha sempre era a mais escassa. No lanche das amiguinhas pulavam chocolates, frutas reluzentes e guloseimas diferentes. 
A minha era a garrafinha de Toddy que algumas vezes azedava e coalhava e um pão com ovo.
Às vezes ele vinha recheado com tomate, ovo e queijo, outras vezes com manteiga e uma laranja descascada. Raríssimas vezes tinha uma maçã ou pera . Mas sempre era muito gostoso .
Em épocas de pagamento de salário de meu pai eu recebia "uns dinheirinhos " para poder comprar uns dadinhos na cantina da escola. Lembro que dava para comprar 4 dadinhos e o Chico, dono da cantina, acho que por dó da gente, sempre me dava algo a mais: um pirulito, ou bala ou uma moeda de chocolate. 
Hoje posso perceber que toda a restrição nos gastos e o sacrifício em economizar era para pagar 
a escola que era particular  e talvez tenha sido  isto que provocava esta redução em tudo. 
Na minha visão infantil, nada faltava pois tínhamos comida, casa para morar e escola. A comparação de nossa condição começou a surgir na escola com as coleguinhas.
O início da vida em sociedade começou a estabelecer  a minha visão das diferenças: ricos x pobres; poder x submissão.
Ia nas casas das coleguinhas fazer trabalhos e comecei a entender que o mundo era maior do que minha vida. Não se resumia apenas no nosso apartamento novo . Elas moravam em casas luxuosas no bairro do Ipiranga e na Saúde, com muitos brinquedos,  quartos de princesas que pareciam sair de páginas de revistas. 
Mas meu pai sempre fazia questão de falar e mostrar o outro lado. Sempre dizia para darmos valor ao que tínhamos pois outros nada possuíam. E sempre que nossa comparação infantil aumentava mais ele fazia questão de nos levar a lugares muito pobres para nos mostrar as diferenças . 
E a frase que nos dizia sempre era : não era importante "ter" mas saber "ter" e conservar este "ter ".
E principalmente saber dividir, saber doar, saber repartir e que se na nossa vida tivéssemos isto como lema nada iria nos faltar. 
Realmente eu sentia isso. Embora pouco e controlado, nada nos faltava. Não tínhamos luxo mas tínhamos o essencial. 
Outra coisa que ele sempre dizia :  "Os bens não são importantes e não é isto que faz uma pessoa.
As coisas, dinheiro e materiais se vão facilmente. Podem nos tirar, roubar, mas se estudarem muito 
e se tiverem educação e conhecimento ninguém no mundo vai tirar isso de vocês." 
Ele sempre repetia: "Minhas filhas, eu não tenho nem terei herança para deixar para vocês mas faço questão de lhes dar uma boa escola e ensinar o que sei e o que aprendi na vida pois isto é a melhor herança que posso deixar. Estes bens ninguém vai tirar de vocês . Aprendam tudo que puderem,
só assim é que serão ricas. Não em dinheiro mas em conhecimento " . 
Meu pai tinha muitas habilidades. Ele sabia mexer em coisas elétricas, construía pequenos objetos, arrumava tudo que quebrava em casa, trocava peças, fazia facas de cozinha, panelas e formas para minha mãe com as sucatas das chapas de inox que sobravam na fábrica. Fazia bancos articulados com sobras de madeira, carrinhos, casinhas e até um roda gigante e um escorregador para os hamisters 
da Nicinha, minha prima . 
Além disto tirava ótimas fotos e era apaixonado por fotografias. Foi fotógrafo de corrida de motocicletas. Grande apreciador de música com uma coleção enorme de discos, todos catalogados por gêneros, em grandes álbuns que ele organizava,. Assíduo espectador das óperas e orquestras do Teatro Municipal e que fazia questão de nos levar e de nos explicar o que era cada personagem.
No caso de orquestra, nos explicava a função de cada instrumento. 
Adorava viajar e pescar e cada viagem de final de semana era sem rumo e sem destino. 
Ele abria o mapa de São Paulo, fechava os olhos e apontava o dedo sobre um ponto. Onde o dedo encostasse era o local para a próxima viagem. Conheci várias cidades do interior de São Paulo 
desta forma. Lugares legais e outros embrenhados em mato sem nada para comer ou dormir .
Não havia planejamento prévio. Ás vezes íamos para lugares tão longe e escondidos que não dava para voltar no mesmo dia e ele olhava umas pensões onde dormíamos enrolados em toalhas.
Se fossem cidades históricas ele fazia questão de nos explicar o que aquela cidade representava no contexto do Brasil.
Ele gostava de aventuras, talvez pela sua juventude bem vivida e aproveitada.
Minha mãe, tanto quanto ele, apoiava e gostava desta aventuras . 
Os princípios dele eram bem rígidos, aos moldes da educação arcaica italiana. Mas era um homem bem relacionado, conversador e gostava de brincadeiras, contar piadas e histórias engraçadas que prendia a atenção  de todos a sua volta. 
Adorava corrida de motocicletas, assistia a todos os "bang-bang" da TV Record e gostava de futebol . Era palmeirense roxo e quando eu tinha uns 8 anos e a Cibéle uns 6, nos levou pela primeira vez 
a um estádio de futebol. Foi no Pacaembú, para assistirmos o jogo de Palmeiras X Portuguesa.
Levava ao estádio o seu famoso rádio de pilhas. Quando assistia jogo pela TV ele tirava o som 
do aparelho e acompanhava pelo seu rádio. 
Aos domingos, quando não tínhamos os passeios matinais pelo centro de São Paulo, ficávamos em casa ouvindo os discos que ele colocava na vitrola. Cibéle e eu brincando na sala, sentadas no chão ao lado das caixas acústicas e a Lola preparando nosso almoço de domingo. 
Uma vez por mês, nos passeios pelo centro, onde íamos a pé do Cambuci até a Sé, após a sessão de cinema ele nos levava ao famoso restaurante Papais, onde comíamos massa e tínhamos direito a uma sobremesa e um guaraná, quando liberadas por ele. 
Algumas vezes, antes de entrarmos no restaurante, ele já nos prevenia : " Hoje vamos só almoçar , não peçam sobremesa nem guaraná ". Mas no lanchinho da tarde tinha um bolo que minha mãe fazia para tomarmos com café com leite . 
Apesar do gênio forte de meu pai  minha mãe o apoiava em várias atitudes. Em algumas ela 
o recriminava, mas em outras eu sentia que ela compartilhava e se divertia tanto quanto ele.








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